EVOLUÇÃO DA PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE TORRES DESDE 2013
Esta análise parte da Lei Orçamentária Anual de 23 de dezembro de 2013, ano precedente à criação no município de Torres da Secretaria da Cultura e do Esportes, mas o primeiro no qual a função CULTURA assume um destaque na previsão, avaliando assim, a partir do ano de 2014 a previsão de receita total e a previsão de despesa pela Classificação Institucional, destinada à Sec. de Cultura e Esporte, e por Função, portanto destinada especificamente à cultura.
Se atente ao fato que mesmo nos anos nos quais não existiu um/a Secretário/a da Cultura e do Esporte, não havendo alteração na lei, a lei anual continuou a especificar a classificação institucional para as previsões orçamentais, tendo assim o Secretário do Turismo em funções simplesmente acumulado a gestão da pasta.
Foram consultadas todas as LOA (Lei de Orçamento Anual), assim como foram publicadas no site da Câmara de Vereadores de Torres, consolidando os dados nessa planilha:
Aqui o Quadro com Evolução da Receita Total Geral prevista anualmente:
A serie mostra um crescimento que acompanha praticamente a atualização monetária que é a base da arrecadação de valores e dos repasses de entes federados.
Aqui o gráfico com a previsão orçamental anual relativa à Secretaria da Cultura e do Esporte, estes com valores praticamente estacionários, com uma evidente quebra no ano de 2017 com redução para menos que metade em relação ao ano anterior:
Considerando a evolução da previsão da Receita anual, aqui o gráfico reportando a porcentagem da mesma destinada à Secretaria de Cultura e Esporte:
Nesse gráfico fica evidente que as oscilações de previsão de despesa relativa à Secretaria de Cultura e Esporte, se reportadas ao natural crescimento das receitas previstas, resultam numa redução progressiva do valor destinado ao orçamento da pasta, na ordem de mais de 50% em 7 anos.
Mas ainda mais evidente a drástica e progressiva redução da porcentagem do orçamento para a Cultura, subdividindo as previsões de despesa por funções, Cultura em azul / Esporte em laranja:
No caso fica evidente como a previsão de despesa para a Cultura, reportada à receita anual prevista, decai cada ano para valores sempre menores, assumindo para 2021 o seu valor mais baixo, inferior a 0,5% da Receita Total estimada, com uma pequena variação positiva no ano seguinte.
Também é aparente, em todos os quadros anteriores, o corte abrupto do valor destinado no orçamento à cultura no ano de 2017, quase um terço do valor em relação ao ano anterior. Infelizmente o quadro piora, e muito, se analisarmos a execução orçamentária nos anos considerados, já que as despesas efetivas relativas à Secretaria de Cultura e Esporte e relacionadas à função específica da Cultura, ao longo dos anos, raramente alcançaram o 40% da previsão de gasto anual, colocando assim o município de Torres, infelizmente, num patamar ínfimo de investimento anual em cultura.
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA RELATIVA À CULTURA NO MUNICÍPIO DE TORRES DESDE 2013
De facto, uma análise da execução orçamentária no período considerado, revela já na sua primeira abordagem uma grande defasagem entre a porcentual da receita alcançada em cada ano com a execução do orçamento projetado na lei anual (LOA) para a área da Cultura e do Esporte.
Aqui o quadro com a receita anual e sua porcentagem de realização em relação a previsão anual, e os valores relativos as despesas para a Cultura e o Esporte, com a porcentagem em relação à estimativa.
É importante assinalar que o valor referente ao ano 2020 inclui o valor repassado pelo governo federal ao abrigo da Lei Aldir Blanc, que estava diretamente vinculado para aplicação em ações emergenciais de apoio ao setor cultural, em razão aos efeitos da pandemia, sendo repassado a empresas, coletivos e agentes culturais do município por editais específicos.
Aqui o gráfico da análise em recorte da previsão orçamentária (azul, primeira coluna) e sua execução (laranja, segunda coluna) relativa à Cultura:
Na média, desconsiderando o ano corrente ainda em execução, a aplicação da verba para a Cultura foi apenas de 30% do valor considerado no orçamento, mesmo este se apresentando como extremamente reduzido para uma cidade do porte de Torres.
Indo mais em detalhe, e considerando as atualizações do orçamento ocorridas eventualmente durante cada ano, aqui temos o quadro com as porcentagens de execução:
Na prática, nos últimos anos, sem considerar esse último ano de 2022, mesmo que ele esteja praticamente no último trimestre com aplicação financeira não muito diferente dos anteriores, na parte da Cultura foi deixado de aplicar mais de 8mi de reais, um milhão de reais por ano:
Voltando a considerar os valores em relação a receita efetiva anual do município, a despesa para a cultura resulta numa porcentagem em média de 0,3% e nunca superior a 0,5% da receita, conforme evidenciado no próximo quadro:
Entrando numa análise qualitativa da despesa, mesmo de forma não muito discriminada e esquemática, dividindo a despesa em alinhas principais (pessoal/programas-investimentos/fundo), não restam dúvidas sobre a fragilidade das políticas públicas visto a predominância da folha de pagamento sobre o total final da despesa:
Mais uma vez chamam atenção os dados relativos ao ano de 2020, em qual pela única vez programas e investimentos prevalecem, chegando quase a 70%, tudo isso devido aos aportes pela Lei Aldir Blanc que tinham um destino definido, agentes e programas culturais, e um prazo de repasse até ao final do mesmo ano.
Geralmente, como é bem manifesto pelos dados levantados, o valor destinado ao pagamento de pessoal (folha de pagamento e despesas acessórias) em média é superior a 70% da despesa efetiva total da pasta, em muitos casos chegando a 90% (1016/2017/2018).
No quadro apresentado aparece, num único ano, em 2015 a distribuição de parte do Fundo de Cultura anual, pois foi o único ano no qual parte do fundo foi distribuído, mediante edital público, para projetos apresentados por agentes culturais do município e contemplados por uma comissão julgadora. Essa questão do Fundo de Cultura vai ser analisado separadamente no próximo parágrafo.
FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA DESDE 2015
O Fundo Municipal de Cultura é um mecanismo de financiamento das políticas públicas de cultura no município, com recursos destinados a programas, projetos e ações culturais, implementados de forma democrática com a participação da sociedade civil através de um Conselho de Cultura.
Desde que em 2014 o Município de Torres aprovou uma lei instituindo o Sistema Municipal de Cultura (Lei N. 4.714, de 11 de setembro de 2014), em consonância com a lei federal do Sistema de Cultura, com a criação de uma Secretaria de Cultura e Esporte e um Conselho de Políticas Culturais democraticamente eleito por Conferência Municipais, ficou instituído um Fundo Municipal de Cultura como elemento essencial de fomento, via editais públicos, para artistas e produtores culturais locais.
A partir dessa data foi previsto tanto no Plano Plurianual como na Lei do Orçamento Anual um valor destinado a esse Fundo, a ser depositado numa conta bancária criada para efeito, com CNPJ específico, o que nunca ocorreu, no errôneo entendimento que se tratasse de uma mera previsão orçamentária, assim como demais itens do orçamento.
Após os primeiros anos, nos quais o valor determinado era condizente com o escopo de fomento cultural de projetos por edital, desde 2017, um ano que como vimos é um marco para os cortes na Cultura, tanto no orçamento quanto na execução, o valor permanece fixado em 1 mil reais, indicando já um caráter apenas simbólico para cumprimento da Lei.
Aqui o quadro com os valores previstos para o Fundo Municipal de Cultura:
De facto, só no primeiro ano a partir da entrada em vigor da lei foi lançado um edital público para uso do Fundo de Cultura (Edital 01/2015), que seria o edital do primeiro semestre do ano, ficando a remanescente verba prevista na LOA para o segundo semestre; um edital este no valor de cerca 75 mil reais (que acabou sendo ajustado para o valor de R$ 77.424,00), que contemplou projetos culturais propostos por agentes da comunidade artística de Torres.
Assim, em cada ano, o valor do fundo foi tratado como se tratasse de uma mera previsão orçamentária e, portanto, quando os valores previstos permaneceram inutilizados ou usados só parcialmente, o saldo remanescente nunca ficou à disposição para vir a ser usado nos anos seguintes para os fins aos tinham sido destinados.
Somente em anos recentes foram criados CNPJ (novembro de 2018) e conta específica (agosto de 2021), mas também como uma mera formalidade, pois atualmente o valor em conta é de R$ 11,90, e pela postura da atual Secretaria e pela total paralização do Conselho Municipal de Política Cultural, não se prevê que o quadro possa alterar num futuro próximo.
FUNDO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO E CULTURAL
Recentemente foi ativado, com previsão no plano plurianual e depois no orçamento de 2022, mais um fundo municipal na área da cultura, Fundo Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural – FMPHAC, criado ao abrigo da Lei Nº 4789, de 23 de abril de 2015, e direcionado para proteção do Patrimônio Material.
Em 2022 teria um saldo de R$ 100.000,00, mas tudo leva a crer, se seguir o exemplo do Fundo Municipal de Cultura, que ele também lamentavelmente não seja utilizado até ao final do ano, ficando esse recurso para o caixa geral da prefeitura.
CONCLUSÃO
Na análise ficou evidente o quadro geral de desinvestimento na área da cultura, que se manifesta no evidente descaso e abandono da gestão municipal no segmento durante o período de tempo considerado, sem qualquer indicador positivo a ser assinalado.
A Cultura é um direito constitucional, consagrado na Constituição e é necessário garantir que tanto o público como os fazedores e as fazedoras de cultura se beneficiem de verbas específicas, distribuídas de forma descentralizadas e democráticas, assim como definido pela lei que instituiu o Plano Nacional de Cultura e pela consequente legislação municipal, sem permitir que instrumentos legais se transformem em meras formalidades sem efeito na política pública.
No caso da administração pública municipal insista em ignorar os instrumentos legais, não resta que apelar ao MP que tem a seu dispor instrumentos como os TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) e os procedimentos administrativos de acompanhamento, muitas vezes usados para outros direitos fundamentais como saúde, educação e segurança.
A cultura é também um direito fundamental e em Torres vem sendo negada faz tempo.
Comentários
Que artigo coerente e enriquecedor, uma denúncia pertinente. Devemos divulgar estas informações!!